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As figuras do microempreendedor individual, da micro e pequena empresa, regidas pela LC 123/2006, indubitavelmente são essenciais para o desenvolvimento da economia brasileira.
Inicialmente, faz-se interessante uma brevíssima exposição acerca do universo das modalidades de estruturas empresariais relativos às pequenas empresas, lato sensu.
Pois bem, algumas figuras têm natureza fiscal, enquanto outras realmente dizem respeito a modalidades societárias. Para fins fiscais, temos: (1) o MEI – microempreendedor individual; (2)a ME – microempresa; e (3)a EPP – empresa de pequeno porte. Essa classificação, disposta na LC 123/2006, é fiscal porque não diz respeito a nenhum tipo de sociedade ou mesmo quanto ao fato de se tratar de empresário individual, matérias regidas pela legislação de direito privado. Na verdade, são tratamentos de cunho fiscal, com fins de simplificação de recolhimento de tributos, basicamente.
De modo diverso, em direito comercial, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços” (artigo 966, Código Civil). Também como modalidade de estrutura societária, existe a figura da EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada), inserida em nosso ordenamento em 2011. Essas duas figuras, as únicas às quais o ordenamento admite a titularidade empresarial individual, convivem com as tradicionais modalidades de sociedades, cujo exemplo mais comum no universo das pequenas empresas é a sociedade por quotas de responsabilidade limitada.
Para ser um microempreendedor individual, a receita bruta anual do empresário deve ser de até R$60.000,00 (sessenta mil reais), além do fato do titular não poder ter participação em outra sociedade empresária, na condição de sócio ou titular. Permite-se, ainda, que o MEI tenha um empregado contratado que receba o salário mínimo ou o piso da categoria (disposições inseridas pela LC 128/08).
Já a categoria da microempresa abrange aquelas sociedades e empresários com receita bruta de até R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) por ano. A empresa de pequeno porte, por seu turno, tem como limite de receita anual o valor de R$3.600.000,00(três milhões e seiscentos mil reais).
A EIRELI, como já apontado, não se trata de modalidade de tratamento fiscal, mas sim uma modalidade de estrutura societária que contenha capital social devidamente integralizado com valor não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. O titular da EIRELI não responderá com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa, por se tratar de responsabilidade limitada.
Para se ter uma ideia, um estudo do SEBRAE constatou que o número de microempresas no país saiu de 4,1 milhões, em 2009, para 5,15 milhões, em 2012, representando crescimento de 25,2% no período. No tocante às empresas de pequeno porte, em 2009, estas somavam 660 mil; já em 2012, totalizaram 945 mil, com elevação de 43,1%, superando a taxa de crescimento das médias e grandes empresas, de 31,2%[1]. O dado mais representativo, no entanto, é o seguinte: a participação dos pequenos negócios (MEI + ME + EPP) no total de empresas existentes no país, que era de 97,4%, em2009, subiu para 98,1%, em 2012!
Pois bem, dado o grande número de empresários e empresas que são enquadrados no regime de ME, EPP e MEI, qualquer tema que com isso se relacione ganha destaque.
Nesse sentido e tendo em vista justamente a relevância dos “pequenos grandes atores” na economia, o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da II Jornada de Direito Comercial, publicou como seu enunciado de número 61 o seguinte texto:
"61. Em atenção ao princípio do tratamento favorecido à microempresa e à empresa de pequeno porte, é possível a representação de empresário individual, sociedade empresária ou EIRELI, quando enquadrados nos respectivos regimes tributários, por meio de preposto, perante os juizados especiais cíveis, bastando a comprovação atualizada do seu enquadramento".
Esse enunciado tem como justificativa justamente dois outros enunciados do FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais, quais sejam, o Enunciado nº 135e o Enunciado nº 141, in verbis:
"ENUNCIADO 135 – O acesso da microempresa ou empresa de pequeno porte no sistema dos juizados especiais depende da comprovação de sua qualificação tributária atualizada e documento fiscal referente ao negócio jurídico objeto da demanda" (XXVII Encontro – Palmas/TO).
"ENUNCIADO 141 – A microempresa e a empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser representadas, inclusive em audiência, pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente" (XXVIII Encontro – Salvador/BA).
Como se pode verificar, há um evidente conflito entre o enunciado da II Jornada de Direito Comercial e os mencionados enunciados do FONAJE. Ao que parece, os enunciados do FONAJE têm como finalidade uniformizar uma regra de caráter restritivo, enquanto que o enunciado da JDC pretende agir em sentido contrário, com o intuito de permitir de forma mais ampla a atuação das pequenas empresas em juízo.
Deve-se ter em mente que o FONAJE tem função próxima de jurisprudencial, sendo uma ferramenta que pretende lançar a todos os juizados especiais alguns nortes, relativos a interpretações de regras, ou para preencher lacunas legais.
O enunciado nº 135 do FONAJE diz respeito a um requisito para a propositura de uma demanda. No caso, seria uma certidão referente a qualificação do autor como beneficiado pelos regimes de ME, MEI ou EPP, além de um documento fiscal referente ao objeto da demanda, que seria uma nota fiscal do produto ou serviço objeto de uma cobrança, por exemplo.
Esse texto pode ser comparado com teses consideradas como jurisprudência defensiva, pois o seu caráter é nitidamente amparar os juízes para que eles possam proferir decisões negatórias de seguimento de ações cujos autores sejam pequenas empresas, visto que é notório que MEI´s, ME´s e EPP´s cada vez mais atuam no âmbito dos Juizados. Trata-se, portanto, de um filtro processual.
A exigência de comprovação de que o autor é regularmente inscrito nos regimes favorecidos previstos na LC 123/2006 nos parece lícita e prudente, pois se trata de requisito indispensável para o acesso aos Juizados o fato de a parte ser MEI, ME ou EPP, conforme disposto no artigo 8º, II, da Lei 9.099/95. Assim, mesmo se não houvesse esse tipo de requisito (previsto no enunciado), outra prova deveria ser exigida para que se aferisse a legitimidade para a postulação perante o Juizado Especial.
Ademais, se há previsão constitucional de tratamento privilegiado para as micro e pequenas empresas (artigo 170, IX), há de se assegurar que somente essas efetivamente terão acesso ao modelo de Justiça mais célere e informal, materializado pelo Juizado Especial.
De outro lado, não nos parece lícita a exigência de comprovante fiscal referente ao negócio jurídico objeto da demanda. A regra processual, que tem como fonte, no caso, o Código de Processo Civil, é que todos os meios de prova, se lícitos e legítimos, podem ser admitidos em juízo. Assim, não faz sentido exigir-se unicamente a apresentação de determinada prova documental para que a pretensão autoral seja apreciada. Também não é razoável pretender-se que o Judiciário deva fazer as vezes do Fisco na fiscalização de recolhimento e regularidade tributária, visto que não é da sua competência exercer tal tarefa. Há patente excesso de poder nessa postura, que também é justificada pela ideia de filtro de demandas, anteriormente colocada.
Já o enunciado nº 141 do FONAJE, que tem aplicação relacionada à representação por prepostos em audiências, cria um grande obstáculo ao acesso a justiça por parte de microempresas e empresas de pequeno porte. Sem embargo, a exigência de que somente o sócio administrador ou empresário titular possam comparecer à audiência impõe regra que não está prevista em lei. Mais do que isso, essa regra padece de inconstitucionalidade, por afrontar o princípio da igualdade, previsto no caput do artigo 5º, além da disposição prevista no artigo 170, inciso IX, que elenca, como um dos princípios gerais da atividade econômica, o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”.
De fato, ao interpretar de forma conjugada os dois mencionados dispositivos constitucionais, extrai-se a conclusão de que a única hipótese de tratamento desigual entre empresas comuns e empresas de pequeno porte seria em algum tipo de tratamento favorecido para estas, justamente como estabelece o inciso IX do artigo 170 da Carta Magna. Ao contrário, entretanto, o enunciado de nº 141 pretende que os pequenos empresários tenham tratamento desfavorecido em relação à sua representação em audiências, o que não nos parece em consonância com a sistemática constitucional apresentada.
Há de se ressaltar que tal medida teoricamente teria o condão de incentivar mais a conciliação, pois se presume que o “dono” de uma pequena empresa tem maior poder transacional do que um preposto. Entretanto, essa premissa não pode obrigar o pequeno empresário a comparecer em juízo em audiências que podem ser feitas por um representante, assim como é feito em relação a outras empresas sem tratamento fiscal diferenciado. Trata-se de imposição que, inclusive, importa em prejuízos concorrenciais ao pequeno empresário.
Por todo o exposto, é de grande valia e digno de aplausos o enunciado de número 61, da II Jornada de Direito Comercial, que vai ao encontro da essência das normas de favorecimento aos micro e pequenos empresários que, como mencionado acima, representam 98,1% do mercado brasileiro. Veremos como os aplicadores irão recepcionar esse enunciado, já que os mencionados enunciados do FONAJE ainda coexistem. Espera-se que os tribunais decidam essa questão, de preferência em favor dos arrojados micro e pequenos empresários brasileiros.
[1] A evolução das microempresas e pequenas empresas 2009 a 2012. SEBRAE: Séries estudos e pesquisas, 2014.
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